quinta-feira, 29 de agosto de 2013

A AUTORIDADE DA ESCRITURA SAGRADA



Homilia do Reverendo Heber Ramos Bertucci
À Congregação Presbiteriana em Itatiaia
Sobre “A Autoridade da Escritura Sagrada”
Em Mt. 4:4

Introdução

1. A Bíblia é importante para nós cristãos. Ela é a Palavra de Deus. Com estes pressupostos em mente, eu quero estudar com a Igreja hoje sobre “A Autoridade da Escritura Sagrada”.

I – A Crise de Autoridade Religiosa

2. O primeiro ponto que este tema me leva a refletir é que há uma crise de autoridade religiosa que a humanidade vem passando já há muito tempo. Provamos isto com Tomas de Aquino (1225 – 1274), que na sua obra “Súmula contra os gentios”, datada do século XIII, já falava sobre esta crise de autoridade. Ele escreveu que uma das razões pelas quais é difícil refutar todos os erros “... é que alguns dos autores desses erros, como os maometanos e os pagãos, não concordam conosco no reconhecimento da autoridade das Sagradas Escrituras, mediante as quais poderíamos convencê-los”. [1] Segundo ele, isso não acontece nem com os judeus e nem com os cristãos heréticos, pois, se com aqueles, nós “... podemos discutir à base do Antigo Testamento”, [2] com estes, nós “... podemos discutir com base nos escritos do Novo Testamento.” [3]
3. Com base nessa crise de autoridade, tão atuante na modernidade quanto foi na época de Tomás de Aquino (1225 – 1274), creio ser a solução desafiadora do autor contemporâneo Gleason L. Archer, Jr. satisfatória. Ele afirma que para começarmos um estudo do Antigo Testamento, nos é apropriado perguntar: “que tipo de livro é?”. Há duas possibilidades: ou é um produto humano ou divino. Portanto, a Bíblia Sagrada pode ser considerada por nós ou como um livro inspirado por Deus, ou um livro de invenção humana.
4. Se nós temos a Bíblia como um produto do gênio humano, “... como muitos outros documentos nos quais têm-se fundamentado várias religiões, então os dados que apresenta precisam ser tratados de uma maneira específica.” [4] Isso significa que a abordagem que parte do pressuposto que toda a Escritura Sagrada é produto do gênio humano, deve ter o seu próprio método de interpretação destes livros. E qual seria este método? É aquele que ensina que “... estas escritas sagradas precisam ser aquilatadas em termos puramente literários, e explicações naturalísticas [5] precisam ser achadas para cada aspecto que parece ser sobrenatural (como por exemplo o cumprimento de profecias).” [6] Em outras palavras, todos os elementos sobrenaturais deverão ser retirados do texto Sagrado, pois, se pensará que ele não vem de um Deus todo-poderoso, mas, da invenção humana. Mas, se para nós as Escrituras Sagradas são inspiradas por Deus, que empregou “... instrumentos humanos para registrar a verdade que Ele revelou ao homem, então os dados precisam ser tratados de maneira bem diferente.” [7] Que maneira seria esta? A resposta é que “... tudo aquilo que possa parecer inconsistente com aquele padrão de exatidão e de veracidade que a inspiração divina pressupõe, precisa ser investigado com grande cuidado para se chegar a uma reconciliação satisfatória daquilo que parece ser discrepância.” [8] O que este método de interpretação pressupõe é que a Escritura Sagrada é superior ao homem porque ela tem a sua origem em Deus.
5. Eis alguns textos da própria Bíblia que confirmam o que acabamos de dizer. O Sl. 119:133 diz: – Firma os meus passos na tua palavra, e não me domine iniquidade alguma.” Esse texto nos ensina que a Palavra de Deus pode firmar os nossos passos e evitar que o pecado, que nos afasta de Deus, nos domine. II Pe. 01:21 afirma: “ ... nunca jamais qualquer profecia foi dada por vontade humana; entretanto, homens santos falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo.” Esse verso fala que a Bíblia vem de Deus e que ele usou seres humanos para registra-la a nós. E, por fim, em Mt. 5:18 diz: “Porque em verdade vos digo: até que o céu e a terra passem, nem um i ou um til jamais passará da Lei, até que tudo se cumpra.” Neste texto vemos que a Bíblia é tão importante que o que ela ensina se cumpre, porque vem da mente onisciente de Deus para nós, o seu povo. Portanto, esses textos e muitos outros nos ensinam que não devemos cair na crise de autoridade religiosa que impera ao nosso redor. A Bíblia é a Palavra de Deus e essa deve ser a nossa crença hoje e sempre!

II – A Bíblia É O Nosso Princípio Motivador de Vida

6. O segundo ponto que o nosso tema de hoje me leva a refletir é que sendo a Bíblia a nossa autoridade porque ela vem de Deus, então, nós devemos tê-la como o nosso princípio motivador de vida. A primeira resposta de Jesus ao diabo na tentação, registrada em Mt. 4:4 foi: “Está escrito: Não só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus.” Isso quer dizer que nós vivemos através da Palavra de Deus, ou seja, ela é o princípio norteador de nossas vidas. Aqui é interessante explicar um pouco sobre a palavra “princípio”. Este termo é muito para qualquer área do saber, seja a ciência, a política ou mesmo, a religião. Princípio “... provém do latim ‘princípium’ e, corresponde, em significado ao  arché grego, quando denota uma fonte ou causa de onde procede uma coisa.” [9]
7. Vejo nesta definição um elemento norteador, pois, sendo um princípio um “Ponto de partida e fundamento de um processo qualquer”, [10] é certo que o princípio desenvolve uma meta ou uma motivação para que algo seja realizado e permaneça na mente e atitude de quem o planejou. O autor de Hebreus diz em Hb. 5:12 Pois, com efeito, quando devíeis ser mestres, atendendo ao tempo decorrido, tendes, novamente, necessidade de alguém que vos ensine, de novo, quais são os princípios elementares dos oráculos de Deus; assim, vos tornastes como necessitados de leite e não de alimento sólido.” Nesse texto, a expressão “princípios elementares” (tá stoicheia tes arches) alude às lições que as crianças “... aprendem antes de avançarem para os estudos mais profundos.” [11] Olhemos os dois versos seguintes: 13 Ora, todo aquele que se alimenta de leite é inexperiente na palavra da justiça, porque é criança. 14 Mas o alimento sólido é para os adultos, para aqueles que, pela prática, têm as suas faculdades exercitadas para discernir não somente o bem, mas também o mal.” Estes versos nos ensinam o termo “princípio” neste caso é algo que serve como base para um conhecimento mais profundo. Ele não deve ser subestimado, antes, deve ser assimilado e estar sempre na mente e na ação de quem o conhece. Aliás, isso é ter sabedoria: não é apenas dominar meras especulações de assuntos existenciais, mas, é se praticar a teoria que se domina.
8. Ao tomarmos a consciência de que a Bíblia é o princípio motivador de nossas vidas, o próximo passo é buscarmos um método para que tenhamos sempre mais contato com a Palavra de Deus. O termo método é grego, sendo formado por “... meta (‘no meio de’, ‘centro de’) e hodós (‘caminho’).” [12] Um método, portanto, de seu ponto de vista etimológico, [13] é “... o emprego de um caminho, andar dentro e através dele.” [14] Um método para agir é tão importante que “Se uma pessoa adota um falso método, ela é semelhante a alguém que toma uma estrada errada que jamais a levará a seu destino.” [15] Portanto, tudo que fazemos, das coisas mais simples às mais complexas, envolve um método: seja sair de casa para ir ao trabalho, seja ter horário certo para dormir, ou até mesmo como alcançar uma promoção no trabalho. Se, no entanto, o método que adotamos não for coerente ou for utilizado de forma errada por nós, o nosso objetivo ficará cada vez mais distante.
9. O filósofo francês René Descartes (1596 – 1650), em sua obra “Discurso do método” disse que “... não é suficiente ter o espírito bom, o principal é aplica-lo bem.” [16] Isso quer dizer que apenas boa vontade ou boas ideias para se agir não basta se não tivermos um bom método para alcançar os objetivos propostos. [17] Nas palavras ainda de Descartes (1596 – 1650): “As maiores almas são capazes dos maiores vícios, tanto quanto das maiores virtudes, e os que só andam muito lentamente podem avançar muito mais, se seguirem sempre o caminho reto, do que aqueles que correm e dele se distanciam.” [18] Estas palavras são verdadeiras porque nos ensinam que não devemos culpar os outros por coisas que nós não realizamos porque, na maioria das vezes, não queremos. É muito fácil dizer que somos desta ou daquela forma por causa do sistema no qual estamos inseridos, ou por causa do nosso chefe, ou ainda, por causa de nossa estrutura familiar. Por mais que em muitos casos as coisas externas nos influenciem, sempre fica a dica para que você tente fazer a sua parte e cresça na sua área, através da oração e da ação. É uma lição difícil, mas, precisamos aprender a não culpar os outros por nossas desgraças pessoais, e olhar para nossas ações para descobrir o que nós fizemos de errado. Nós somos capazes de alcançar o sucesso pessoal. Basta acreditar em Deus e seguir!
10. Voltando ao nosso ponto principal, já que a Bíblia é o nosso princípio motivador de vida, é necessário termos um método para estuda-la. Este método é bem simplificado no Sl. 1:2Antes, o seu prazer está na lei do SENHOR, e na sua lei medita de dia e de noite. Nesse texto o salmista nos leva a meditar na lei do Senhor durante a nossa vida. O mesmo nos faz Josué em Js. 1:8 que diz: Não cesses de falar deste Livro da Lei; antes, medita nele dia e noite, para que tenhas cuidado de fazer segundo tudo quanto nele está escrito; então, farás prosperar o teu caminho e serás bem-sucedido.” Este verso nos ensina a termos contato diário com a Palavra de Deus. Sem dúvidas, este é o principal método para que a Bíblia seja, de fato, reconhecida como o princípio norteador de nossas vidas.

Considerações Finais

11. Concluindo a nossa homilia desta noite, nós vimos sobre “A Autoridade da Escritura Sagrada”. Vimos que há uma crise de autoridade religiosa há muito tempo e que não vemos permitir que esta crise se instale em nosso coração. Vimos também que a Bíblia é o nosso princípio motivador de vida e ela jamais deve perder este papel para nós. Que Deus nos abençoe e nos ajude a crermos sempre mais em sua Palavra e a aplica-la em nossos corações. Hoje e sempre, Amém!

  

Homilia pronunciada em Itatiaia – RJ, junto à Congregação Presbiteriana em Itatiaia, no dia 25 de agosto – Culto Noturno Solene ao Senhor – de 2013, feitos dois anos e oito meses de minha ordenação ao Sagrado Ministério.





NOTAS:

[1] Aquino, Tomás de.  Súmula contra os gentios.  Tradução de Luiz João Baraúna.  In: Aquino, Tomás de; Alighieri, Dante.  Seleção de textos.  Tradução de Luiz J. Baraúna; Alexandre Correa; et al.  São Paulo – SP: Nova Cultural, 1988.  Cap. 2º, p. 60.  (Coleção “Os Pensadores”).
[2] Tomás de Aquino.  Súmula contra os gentios.  Tradução de Luiz João Baraúna.  In: Ibid., Cap. 2º, p. 60.  (Coleção “Os Pensadores”).
[3] Tomás de Aquino.  Súmula contra os gentios.  Tradução de Luiz João Baraúna.  In: Ibid., Cap. 2º, p. 60.  (Coleção “Os Pensadores”).
[4] Archer Jr., Gleason L.  Merece confiança o Antigo Testamento?  Tradução de Gordon Chown.  4. ed.  São Paulo – SP: Vida Nova, 2004.  p. 14.
[5] A visão naturalística que Archer, Jr. se refere, trata-se, segundo Russel C. Champlin, do “... pensamento que o mundo e todas as coisas nele existentes devem ser explicados com base na ciência natural, sem apelos à teologia e a conceitos do sobrenatural. E quando as coisas transcendem ao presente conhecimento que possuímos, então somos convocados a ter fé no inexorável avanço da ciência, a qual, presumivelmente, poderá mostrar, afinal, que todas as coisas são naturais.” (Liberalismo.  In: Champlin, Russel Norman.  Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia.  6. ed. São Paulo – SP: Hagnos, Vol. 4 (M - O), 2002.  p. 457). Ampliando nossa visão, N. Abbagnano ensina que o naturalismo é a “Doutrina segundo a qual nada existe fora da natureza e Deus é apenas o princípio de movimento das coisas naturais. Nesse sentido, que é o mais difundido na terminologia contemporânea, fala-se do ‘Naturalismo do Renascimento’, do ‘Naturalismo antigo’, do ‘Naturalismo materialista’, etc.” (Naturalismo.  In: Abbagnano, Nicola.  Dicionário de filosofia.  Tradução de Alfredo Bossi e Ivone C. Benedetti.  5. ed.  São Paulo – SP: Martins Fontes, 2007.  p. 698). A abordagem naturalista é anti-sobrenatural e, como tal, não reconhece o sobrenaturalismo de Deus. Por isso deve ser rejeitada no estudo da Bíblia Sagrada, pois limita o ensino Bíblico a meras conjecturas humanas. (Cf. também: McDowell, Josh.  Evidência que exige um veredicto: evidência histórica da fé cristã.  Tradução de João M. Bentes.  2. ed.  São Paulo – SP: Candeia, 1997.  v. 2, p. 23 – 42).
[6] Gleason L. Archer Jr., Merece confiança o Antigo Testamento?, p. 14.
[7] Ibid., p. 14.
[8] Ibid., p. 14.
[9] Costa, Hermisten Maia. P. da. Teologia sistemática: prolegômena.  São Paulo – SP: Seminário Teológico Presbiteriano Rev. José Manoel as Conceição, fevereiro de 2005.  f. 24.  Anotações parciais de aula da disciplina Teologia Sistemática I (Prolegômena / Teontologia e Antropologia), ministrada no Seminário Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição, São Paulo Capital.  [Trabalho não publicado].
Cf. também: avrch,.  Gingrich, F. Wilbur; Danker, Frederick.  Léxico do N.T. grego/português.  Tradução de Júlio P. T. Zabatiero.  São Paulo – SP: Vida Nova, 2003.  p. 35; D. Müller; L. Coenen; H. Bietenhard.  avrch,Coenen, Lothar; Brown, Colin.  Dicionário internacional de Teologia do Novo Testamento.  Tradução de Gordon Chown.  2. ed.  São Paulo – SP: Vida Nova, 2004.  v. I (A – M), p. 366 – 371; Princípio.  In: Champlin, Russel Norman.  Enciclopédia de Bíblia teologia e filosofia.  6. ed. São Paulo – SP: Hagnos, v. 5 (P - R), 2002.  p. 388.
[10] Princípio.  In: Nicolas AbbagnanoDicionário de Filosofia, p. 928.
[11] Barnes, Albert.  Barnes’ Notes on the Bible: Hebrews.  Rio, WI USA: AGES Software, 2000.  1 CD – ROM.  v. 16, Hb. p. 175.  (The Ages Digital Library Commentary, Version 1.0).  [CD – ROM 1, The Master Christian Library (“Theology & Collection Library”) © 2000 AGES Software].
[12] Hermisten Maia. P. da Costa, Teologia sistemática: prolegômena, f. 65.  [Trabalho não publicado].
Cf. também: Método. In: Nicola Abbagnano, Dicionário de filosofia, p. 780; Método na teologia, metodologia.  In: Grenz, Stanley J.; Guretzki, David; Nordling, Cherith Fee.  Dicionário de Teologia: mais de 300 conceitos teológicos definidos de forma clara e concisa.  Tradução de Josué Ribeiro.  São Paulo – SP: Vida, 2002.  p. 88.  [Edição de Bolso]; meta,In: F. Wilbur Gingrich; Frederick DankerLéxico do N.T. grego/português, p. 133 – 134; o`do,jIn: Ibid., p. 143.
[13] A palavra etimologia é grega: evtumologi,a (etimología). Ela é formada de e;tumoj (etmos): “verdadeiro” ou  “real”, e logo,j (logos): “palavra”, tendo assim o significado de “palavra verdadeira”. Nessa definição o sentido do termo é dado pela raiz histórica da(s) palavra (s) que o compõe (m). (Cf.: Costa, Hermisten M. P. da.  Noções de lógica.  São Paulo - SP, Agosto de 2001.  f. 35.  Seminário Teológico Presbiteriano Reverendo José Manoel da Conceição, Agosto de 2001.  Anotações de aula da disciplina “Lógica” ministrada no Seminário Presbiteriano Rev. J. M. Conceição.  [Trabalho não publicado]).
[14] Hermisten Maia. P. da Costa, Teologia sistemática: prolegômena, f. 65.  [Trabalho não publicado].
[15] Hodge, Charles.  Teologia sistemática.  Tradução de Valter Martins.  São Paulo – SP: Hagnos, 2003.          p. 2.
[16] Descartes, René.  Discurso do método.  In: _____.  Descartes.  Tradução de J. Guinsburg e Bento P. Júnior.  São Paulo – SP: Abril Cultural, 1973.  p. 37.  (Coleção “Os pensadores”).
[17] Cf.: Hermisten Maia. P. da Costa, Teologia sistemática: prolegômena, f. 65.  [Trabalho não publicado].
[18] Descartes, René.  Discurso do método.  In: _____.  Descartes, p. 37.  (Coleção “Os pensadores”).