Homilia do Reverendo Heber Ramos Bertucci
À Congregação Presbiteriana em Itatiaia
Sobre “A
Autoridade da Escritura Sagrada”
Em Mt. 4:4
Introdução
1. A Bíblia é importante
para nós cristãos. Ela é a Palavra de Deus. Com estes pressupostos em mente, eu
quero estudar com a Igreja hoje sobre “A Autoridade da Escritura Sagrada”.
I – A
Crise de Autoridade Religiosa
2. O primeiro ponto que
este tema me leva a refletir é que há uma crise de autoridade religiosa que a
humanidade vem passando já há muito tempo. Provamos isto com Tomas de Aquino (1225 – 1274), que na sua obra “Súmula contra
os gentios”, datada do século XIII, já falava sobre esta crise de autoridade. Ele escreveu que uma das razões
pelas quais é difícil refutar todos os erros “... é que alguns dos autores desses erros, como os maometanos e os
pagãos, não concordam conosco no reconhecimento da autoridade das Sagradas
Escrituras, mediante as quais poderíamos convencê-los”. [1] Segundo ele, isso não acontece nem com os judeus e
nem com os cristãos heréticos, pois, se com aqueles, nós “... podemos discutir à base do Antigo Testamento”, [2] com estes, nós “...
podemos discutir com base nos escritos do Novo Testamento.” [3]
3.
Com base nessa crise de
autoridade, tão atuante na modernidade quanto foi na época de Tomás de Aquino
(1225 – 1274), creio ser a solução desafiadora do autor contemporâneo Gleason
L. Archer, Jr. satisfatória. Ele afirma que para começarmos um estudo do Antigo
Testamento, nos é apropriado perguntar: “que tipo de livro é?”. Há duas
possibilidades: ou é um produto humano ou divino. Portanto, a Bíblia Sagrada pode
ser considerada por nós ou como um livro inspirado por Deus, ou um livro de
invenção humana.
4.
Se nós temos a Bíblia como um
produto do gênio humano, “... como
muitos outros documentos nos quais têm-se fundamentado várias religiões, então
os dados que apresenta precisam ser tratados de uma maneira específica.” [4] Isso significa que a abordagem que parte
do pressuposto que toda a Escritura Sagrada é produto do gênio humano, deve ter
o seu próprio método de interpretação destes livros. E qual seria este método?
É aquele que ensina que “... estas
escritas sagradas precisam ser aquilatadas em termos puramente literários, e
explicações naturalísticas [5] precisam ser achadas para cada aspecto que parece
ser sobrenatural (como por exemplo o cumprimento de profecias).” [6] Em outras
palavras, todos os elementos sobrenaturais deverão ser retirados do texto
Sagrado, pois, se pensará que ele não vem de um Deus todo-poderoso, mas, da
invenção humana. Mas, se para nós as Escrituras Sagradas são inspiradas por
Deus, que empregou “... instrumentos humanos para registrar a verdade que
Ele revelou ao homem, então os dados precisam ser tratados de maneira bem
diferente.”
[7]
Que
maneira seria esta? A resposta é que “...
tudo aquilo que possa parecer inconsistente com aquele padrão de exatidão e de
veracidade que a inspiração divina pressupõe, precisa ser investigado com
grande cuidado para se chegar a uma reconciliação satisfatória daquilo que
parece ser discrepância.” [8] O que este método de interpretação
pressupõe é que a Escritura Sagrada é superior ao homem porque ela tem a sua
origem em Deus.
5.
Eis alguns textos da própria
Bíblia que confirmam o que acabamos de dizer. O Sl. 119:133 diz: – “Firma os meus passos na tua palavra, e não
me domine iniquidade alguma.” Esse
texto nos ensina que a Palavra de Deus pode firmar os nossos passos e evitar
que o pecado, que nos afasta de Deus, nos domine. II Pe. 01:21 afirma: “ ...
nunca jamais qualquer profecia foi dada por vontade humana; entretanto, homens
santos falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo.” Esse verso fala que a Bíblia vem de Deus e que ele
usou seres humanos para registra-la a nós. E, por fim, em Mt. 5:18 diz: “Porque em verdade vos digo: até que o céu e
a terra passem, nem um i ou um til jamais passará da Lei, até que tudo se
cumpra.” Neste texto vemos que a Bíblia é tão importante que o que ela
ensina se cumpre, porque vem da mente onisciente de Deus para nós, o seu povo. Portanto,
esses textos e muitos outros nos ensinam que não devemos cair na crise de
autoridade religiosa que impera ao nosso redor. A Bíblia é a Palavra de Deus e
essa deve ser a nossa crença hoje e sempre!
II –
A Bíblia É O Nosso Princípio Motivador de Vida
6. O segundo ponto que o
nosso tema de hoje me leva a refletir é que sendo a Bíblia a nossa autoridade
porque ela vem de Deus, então, nós devemos tê-la como o nosso princípio
motivador de vida. A primeira resposta de Jesus ao diabo na tentação,
registrada em Mt. 4:4 foi: “Está
escrito: Não só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca
de Deus.” Isso quer dizer que nós vivemos através da Palavra de Deus,
ou seja, ela é o princípio norteador de nossas vidas. Aqui é interessante explicar
um pouco sobre a palavra “princípio”. Este termo é muito para qualquer área do
saber, seja a ciência, a política ou mesmo, a religião. Princípio “... provém
do latim ‘princípium’
e, corresponde, em significado ao arché grego, quando denota uma fonte ou causa de onde
procede uma coisa.” [9]
7. Vejo nesta definição um elemento
norteador, pois, sendo um princípio um “Ponto
de partida e fundamento de um processo qualquer”, [10] é certo que o princípio desenvolve uma
meta ou uma motivação para que algo seja realizado e permaneça na mente e
atitude de quem o planejou. O autor de Hebreus diz em Hb. 5:12 – “Pois, com efeito, quando devíeis ser mestres,
atendendo ao tempo decorrido, tendes, novamente, necessidade de alguém que vos
ensine, de novo, quais são os princípios elementares dos oráculos de Deus; assim,
vos tornastes como necessitados de leite e não de alimento sólido.” Nesse texto, a expressão “princípios elementares” (tá stoicheia tes arches) alude às lições que as crianças “...
aprendem antes de avançarem para os estudos mais profundos.” [11] Olhemos os dois versos seguintes: “13 Ora, todo aquele que se
alimenta de leite é inexperiente na palavra da justiça, porque é criança. 14
Mas o alimento sólido é para os adultos, para aqueles que, pela prática, têm as
suas faculdades exercitadas para discernir não somente o bem, mas também o mal.”
Estes
versos nos ensinam o termo “princípio” neste caso é algo que serve como base
para um conhecimento mais profundo. Ele não deve ser subestimado, antes, deve
ser assimilado e estar sempre na mente e na ação de quem o conhece. Aliás, isso
é ter sabedoria: não é apenas dominar meras especulações de assuntos
existenciais, mas, é se praticar a teoria que se domina.
8. Ao tomarmos a
consciência de que a Bíblia é o princípio motivador de nossas vidas, o próximo
passo é buscarmos um método para que tenhamos sempre mais contato com a Palavra
de Deus. O
termo método é grego, sendo formado por “... meta (‘no meio de’, ‘centro de’) e hodós (‘caminho’).” [12] Um método, portanto, de seu ponto de vista
etimológico, [13] é “... o
emprego de um caminho, andar dentro e através dele.” [14] Um método para agir é tão importante
que “Se uma pessoa adota um falso método,
ela é semelhante a alguém que toma uma estrada errada que jamais a levará a seu
destino.” [15]
Portanto, tudo que fazemos, das coisas mais simples às mais complexas, envolve
um método: seja sair de casa para ir ao trabalho, seja ter horário certo para
dormir, ou até mesmo como alcançar uma promoção no trabalho. Se, no entanto, o
método que adotamos não for coerente ou for utilizado de forma errada por nós,
o nosso objetivo ficará cada vez mais distante.
9. O
filósofo francês René Descartes (1596 – 1650), em sua obra “Discurso do método”
disse que “... não é suficiente ter o
espírito bom, o principal é aplica-lo bem.” [16] Isso quer dizer que apenas boa vontade ou boas ideias
para se agir não basta se não tivermos um bom método para alcançar os objetivos
propostos. [17] Nas palavras ainda de
Descartes (1596 – 1650): “As maiores
almas são capazes dos maiores vícios, tanto quanto das maiores virtudes, e os
que só andam muito lentamente podem avançar muito mais, se seguirem sempre o
caminho reto, do que aqueles que correm e dele se distanciam.” [18] Estas palavras são verdadeiras porque nos ensinam que não
devemos culpar os outros por coisas que nós não realizamos porque, na maioria
das vezes, não queremos. É muito fácil dizer que somos desta ou daquela forma por
causa do sistema no qual estamos inseridos, ou por causa do nosso chefe, ou
ainda, por causa de nossa estrutura familiar. Por mais que em muitos casos as
coisas externas nos influenciem, sempre fica a dica para que você tente fazer a
sua parte e cresça na sua área, através da oração e da ação. É uma lição
difícil, mas, precisamos aprender a não culpar os outros por nossas desgraças
pessoais, e olhar para nossas ações para descobrir o que nós fizemos de errado.
Nós somos capazes de alcançar o sucesso pessoal. Basta acreditar em Deus e
seguir!
10. Voltando ao nosso ponto principal, já que a Bíblia é o
nosso princípio motivador de vida, é necessário termos um método para estuda-la.
Este método é bem simplificado no Sl.
1:2 – “Antes, o seu prazer está na lei do SENHOR, e na sua
lei medita de dia e de noite.” Nesse texto o salmista nos leva
a meditar na lei do Senhor durante a nossa vida. O mesmo nos faz Josué em Js.
1:8 que diz: “Não cesses de falar deste
Livro da Lei; antes, medita nele dia e noite, para que tenhas
cuidado de fazer segundo tudo quanto nele está escrito; então, farás prosperar
o teu caminho e serás bem-sucedido.” Este verso nos ensina a termos
contato diário com a Palavra de Deus. Sem dúvidas, este é o principal método
para que a Bíblia seja, de fato, reconhecida como o princípio norteador de
nossas vidas.
Considerações
Finais
11. Concluindo a nossa homilia desta noite, nós vimos sobre “A Autoridade da Escritura
Sagrada”. Vimos que há uma crise de autoridade religiosa há muito tempo e que
não vemos permitir que esta crise se instale em nosso coração. Vimos também que
a Bíblia é o nosso princípio motivador de vida e ela jamais deve perder este
papel para nós. Que Deus nos abençoe e nos ajude a crermos sempre mais em sua
Palavra e a aplica-la em nossos corações. Hoje e sempre, Amém!
Homilia
pronunciada em Itatiaia – RJ, junto à Congregação Presbiteriana em Itatiaia, no dia 25
de agosto – Culto Noturno Solene ao Senhor – de 2013, feitos dois anos e oito
meses de minha ordenação ao Sagrado Ministério.
NOTAS:
[1] Aquino, Tomás
de. Súmula contra os gentios. Tradução de Luiz João Baraúna. In:
Aquino, Tomás de; Alighieri, Dante. Seleção
de textos. Tradução de Luiz J.
Baraúna; Alexandre Correa; et al. São Paulo – SP: Nova Cultural, 1988. Cap. 2º, p. 60. (Coleção “Os Pensadores”).
[2] Tomás
de Aquino. Súmula contra os gentios. Tradução de Luiz João Baraúna. In:
Ibid., Cap. 2º, p. 60. (Coleção “Os Pensadores”).
[3] Tomás
de Aquino. Súmula contra os gentios. Tradução de Luiz João Baraúna. In:
Ibid., Cap. 2º, p. 60. (Coleção “Os Pensadores”).
[4] Archer Jr., Gleason L. Merece
confiança o Antigo Testamento?
Tradução de Gordon Chown. 4.
ed. São Paulo – SP: Vida Nova,
2004. p. 14.
[5] A visão
naturalística que Archer, Jr. se refere, trata-se, segundo Russel C. Champlin,
do “... pensamento que o mundo e todas as
coisas nele existentes devem ser explicados com base na ciência natural, sem
apelos à teologia e a conceitos do sobrenatural. E quando as coisas transcendem
ao presente conhecimento que possuímos, então somos convocados a ter fé no
inexorável avanço da ciência, a qual, presumivelmente, poderá mostrar, afinal,
que todas as coisas são naturais.” (Liberalismo. In:
Champlin, Russel Norman. Enciclopédia
de Bíblia Teologia e Filosofia. 6.
ed. São Paulo – SP: Hagnos, Vol. 4 (M - O), 2002. p. 457).
Ampliando nossa visão, N. Abbagnano ensina que o naturalismo é a “Doutrina segundo a qual nada existe fora da
natureza e Deus é apenas o princípio de movimento das coisas naturais. Nesse
sentido, que é o mais difundido na terminologia contemporânea, fala-se do
‘Naturalismo do Renascimento’, do ‘Naturalismo antigo’, do ‘Naturalismo
materialista’, etc.” (Naturalismo. In: Abbagnano,
Nicola. Dicionário de filosofia. Tradução
de Alfredo Bossi e Ivone C. Benedetti.
5. ed. São Paulo – SP: Martins
Fontes, 2007. p. 698). A abordagem naturalista é
anti-sobrenatural e, como tal, não reconhece o sobrenaturalismo de Deus. Por
isso deve ser rejeitada no estudo da Bíblia Sagrada, pois limita o ensino
Bíblico a meras conjecturas humanas. (Cf. também: McDowell, Josh. Evidência que exige um veredicto:
evidência histórica da fé cristã.
Tradução de João M. Bentes. 2.
ed. São Paulo – SP: Candeia, 1997. v. 2, p. 23 – 42).
[6] Gleason L. Archer Jr., Merece confiança o Antigo Testamento?, p. 14.
[7] Ibid., p. 14.
[8] Ibid., p. 14.
[9]
Costa, Hermisten Maia. P. da. Teologia sistemática: prolegômena. São Paulo – SP: Seminário Teológico
Presbiteriano Rev. José Manoel as Conceição, fevereiro de 2005. f. 24.
Anotações parciais de aula da disciplina Teologia Sistemática I
(Prolegômena / Teontologia e Antropologia), ministrada no Seminário
Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição, São Paulo Capital. [Trabalho
não publicado].
Cf. também: avrch,. Gingrich, F. Wilbur; Danker,
Frederick. Léxico
do N.T. grego/português.
Tradução de Júlio P. T. Zabatiero.
São Paulo – SP: Vida Nova, 2003. p. 35; D. Müller; L. Coenen; H. Bietenhard. avrch,. Coenen,
Lothar; Brown, Colin. Dicionário internacional de
Teologia do Novo Testamento. Tradução de Gordon Chown. 2. ed.
São Paulo – SP: Vida Nova, 2004.
v. I (A – M), p. 366 – 371; Princípio.
In: Champlin, Russel Norman.
Enciclopédia de Bíblia teologia e
filosofia. 6. ed. São Paulo – SP:
Hagnos, v. 5 (P - R), 2002. p. 388.
[11] Barnes, Albert. Barnes’
Notes on the Bible: Hebrews. Rio,
WI USA: AGES Software, 2000. 1 CD – ROM. v.
16, Hb. p. 175. (The Ages Digital
Library Commentary, Version 1.0). [CD –
ROM 1, The Master Christian Library (“Theology & Collection Library”) © 2000 AGES Software].
[12] Hermisten Maia. P. da Costa, Teologia sistemática: prolegômena,
f. 65. [Trabalho
não publicado].
Cf. também: Método. In: Nicola Abbagnano, Dicionário
de filosofia, p. 780; Método na teologia, metodologia. In:
Grenz, Stanley J.; Guretzki, David; Nordling, Cherith Fee.
Dicionário de Teologia: mais
de 300 conceitos teológicos definidos de forma clara e concisa. Tradução de Josué Ribeiro. São Paulo – SP: Vida, 2002. p. 88.
[Edição de Bolso]; meta,. In:
F. Wilbur Gingrich; Frederick Danker.
Léxico do N.T. grego/português,
p. 133 – 134; o`do,j. In:
Ibid., p. 143.
[13]
A palavra etimologia é grega: evtumologi,a (etimología). Ela é formada de e;tumoj (etmos): “verdadeiro” ou “real”, e logo,j (logos): “palavra”, tendo assim o
significado de “palavra verdadeira”. Nessa definição o sentido do termo é dado
pela raiz histórica da(s) palavra (s) que o compõe (m). (Cf.: Costa, Hermisten M. P. da. Noções
de lógica. São Paulo - SP, Agosto de 2001. f. 35. Seminário Teológico Presbiteriano Reverendo
José Manoel da Conceição, Agosto de 2001.
Anotações de aula da disciplina “Lógica” ministrada no Seminário
Presbiteriano Rev. J. M. Conceição. [Trabalho não publicado]).
[14]
Hermisten
Maia. P. da Costa, Teologia sistemática: prolegômena, f. 65. [Trabalho
não publicado].
[15] Hodge,
Charles. Teologia sistemática.
Tradução de Valter Martins. São
Paulo – SP: Hagnos, 2003. p. 2.
[16] Descartes, René. Discurso do método. In:
_____. Descartes. Tradução de J.
Guinsburg e Bento P. Júnior. São Paulo –
SP: Abril Cultural, 1973. p. 37. (Coleção “Os pensadores”).
[17] Cf.: Hermisten Maia. P. da Costa, Teologia sistemática: prolegômena,
f. 65. [Trabalho
não publicado].
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